Quantas vezes nos pegamos desejando muito alguma situação que não vem, uma coisa que não temos, uma comida que não devemos. Quantas pessoas possuem vícios, que resumindo é um desejo que nunca se cura, e precisa ser repetido e repetido e não cessa. Esse mecanismo de recompensa é regido pela dopamina, nosso neurotransmissor relacionado aos desejos e também satisfação.

Os desejos podem ser muito benéficos, quando funcionam como um detalhe que nos move, que nos faz querer melhorar e nos motiva a ir em frente. Porém a construção deste caminho até chegar neste momento esperado de liberação de dopamina, é feita através da serotonina.

E o que seria isso? Quais atividades estão relacionadas com este outro neurotransmissor, a serotonina? São as atividades de manutenção. Cuidar do que temos, regar as plantas que já possuímos, lavar a louça ou roupa que estão sob nossa responsabilidade, cuidar das relações e saúde a partir do estágio em que estamos. Ter gratidão e curtir o que já existe faz parte deste pacote. Esta energia do cuidado, do trabalho, do construir, é mais morna em relação ao fogo das novas conquistas, que a dopamina rege. Porém não podemos o tempo todo viver no fogo, conquistando o novo repetidamente. Pois caso isso aconteça, perde-se o sentido do ser, do ter, uma vez que não haverá tempo de ser vivido, assimilado, aproveitado.

E é esse o ponto de retorno para os vícios. Para conseguir sair desse círculo vicioso em busca de recompensa e de dopamina, é preciso se abastecer de serotonina, dar chance para olhar para os prazeres mais sutis e necessários para a continuidade da vida.

Ou seja, se a pessoa consegue diminuir o cigarro, por exemplo, terá aos poucos o despertar de suas papilas gustativas e olfativas que estavam anestesiadas pela nicotina, e começará a sentir um espectro de sabores e cheiros que estavam bloqueados. Abrir mão do prazer obstinado e fixo do cigarro, abre margem para outras possibilidades de deleites que exigem uma sensibilidade mais apurada e fina dos sentidos e do sentir.

O mesmo vale para outros exemplos, como o açúcar, como as paixões. A dopamina não deve ser nosso alimento e sim, uma sobremesa, com moderação e se necessária. Se invertermos essa escala, logo mais teremos diabetes, fissuras e overdoses.

No livro “Nação Dopamina” a escritora Anna Lembke ilustra o estado de equilíbrio entre a serotonina e noradrenalina como uma gangorra na horizontal, com um por do sol ao fundo, mostrando um estado de bem-estar e contemplação quando estamos bem.

Já o estado de busca incessante por alguma substância/comportamento/situação é uma gangorra oblíqua, cheia de “monstrinhos” em uma de suas extremidades, que quanto mais você repete o comportamento viciante, mais eles se multiplicam.

E o “segredo” para eles irem sumindo é espaçar cada vez mais e mais o comportamento que os gera (os vícios). Para dar tempo de eles irem diminuindo e a gangorra ir se reestabelecendo na horizontal.

Então a mensagem fica clara, aumentar o tempo de intervalo entre um trago e outro, entre um chocolate e outro, entre qualquer comportamento viciante e outro, é um caminho para o reequilíbrio, desde que esse intervalo entre eles não seja apenas um “tempo de espera”, com o pensamento ainda fixo no que se deseja.

Para a liberação de serotonina é importante nos ocuparmos com ações relacionadas à construção (trabalho) e manutenção (gratidão/contemplação) do que já se possui. Ou mesmo com o descanso. Essa satisfação é então fabricada por nós, em um movimento de reconhecimento de coisas que já estão ali, mas nossos sentidos nem sempre sintonizavam nela, por estarem ocupados com “entorpecentes” externos.

Pense nisso, qual tem sido o seu entorpecente? Internet, sexo, comida, substâncias? E em menor proporção, eles podem ser bons se te incentivam a crescer de alguma forma?

O desejo não ser realizado é tão ruim assim? Ou se ele funcionou como a cenoura na ponta da vara e te fez caminhar, cumpriu o seu papel?

Pense nisso. Nem tudo que desejamos precisa de fato ser saciado. Mesmo porque, muitas vezes mesmo quando o é, não é.


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