Rio Bethary - em Iporanga SP (PETAR)

O melhor de 2 mundos: integrá-los.

Fiquei intrigada. Quando comecei a atender em Iporanga – a capital das cavernas –  e vi que mesmo em um ambiente totalmente diferente dos grandes centros urbanos, com floresta exuberante, rios limpos, fauna e flora abundantes, os adoecimentos eram os mesmos

“Elementar, meu caro Watson”, alguém me dirá.

Sim, eu sei que na Alemanha, em Marrocos ou no Brasil se adoece igual: algumas pessoas com esquizofrenia terão delírios religiosos, outras com depressão poderão ter delírio de ruína, falta de energia, pensamentos suicidas… Sim eu sei que humano é humano em todo lugar, e que se adoece de forma parecida.

Mas digo para além disso. Há um adoecimento dos hábitos, nessa vida moderna que levamos. Temos luzes elétricas ativas em plena noite, que pode nos trazer praticidades, mas que também nos impede de ver o céu estrelado e dificulta nossa liberação de melatonina, que precisa do escuro. Não temos mais conexão com os rios, não os usamos como estradas, nem para nos banhar. Muitas coisas que já sabemos, nos fez desconectar do nosso ritmo circadiano natural e de uma rotina repleta de exercícios físicos, sol e alimentos naturais. Foi um preço pago, para obter outras facilidades.

Com isso, sempre apontei uma busca por essa reconexão entre nossa natureza e a do ambiente, como uma das chaves para a retomada de nosso bem-estar físico e mental. E qual não foi a minha queda do cavalo, quando atendendo em pleno *PETAR, me deparei com os pacientes com queixas tão parecidas com as dos que moram em cidades maiores.

O que eu iria dizer a eles? Faça mais atividade física? Para quem já trabalha colhendo palmito, ou caminha 10 kg a pé todo dia para dar aula no quilombo? Essas eram profissões comuns de pacientes que atendi. Lembro de uma paciente que morava em uma fazenda e ao ouvir minha recomendação para fazer caminhadas me respondeu que precisou fazer uma pausa, pois “estava tendo onça” na região. Caramba! A realidade ali é outra. E por um motivo ou outro, recomendar caminhada ou exercício físico naquele contexto me fazia sentir ridícula.

Muitos já tinham hábitos que eu consideraria saudável, que é dormir cedo, acordar cedo, comer comidas plantadas e colhidas sem veneno, tomar leite tirado direto da vaca (ou búfala!) do quintal.

Balela. Ficou claro que apenas estar neste ambiente, sem a consciência do possível valor de cada coisa dali, não adianta muito. Ou ainda sem algumas estruturas básicas, que podem ser da ordem do cultural ou do material.

Digo que pode ser da ordem do cultural, pois por exemplo, em uma sociedade indígena nativa, que também está em um ambiente de floresta, mas tendo uma relação de unidade total com seus elementos, pode haver, como já houve, muita saúde e abundância de significados.

Porém ter a TV, a luz elétrica, o acesso de alguma forma à vida que é moldada com outros valores, pode gerar um sentimento de escassez. Gerar a comparação e a crença de que a vida mostrada nas novelas ou propagandas seria possível em algum lugar.

Existem muitas camada de reflexão em cada parágrafo até aqui, e adoraria discorrer sobre todas elas. Como o social (a maioria da população de cidades como Iporanga, que nasceu com a exploração do ouro, deriva de ex-escravizados que foram abandonados), o econômico (as possibilidades de emprego são limitadas), o cultural (a educação também pode ter limitações) entre outras. Porém este espaço é apenas para o início de uma conversa, pois este tema é com certeza muito complexo.

Essa reflexão toda não quer dizer que não tenham pessoas muito felizes e saudáveis morando em meio à natureza, assim com não quer dizer que não tenham as felizes e plenas, vivendo na rotina urbana intensa. A reflexão é que dentre os adoecimentos de hábitos das pessoas que estão mais imersas na natureza ou das que estão na vida das cidades, há algo em comum.

Esse algo em comum é a falta da integração entre esses 2 polos possíveis de se viver. Ter o conhecimento e vivência da importância da natureza, pode nos fazer procurar por incluí-los em nossas vidas mesmo estando na cidade. E ter acesso à informação, educação, estruturas urbanas, mas estando em meio à natureza, nos faz ter conhecimentos até para valorizar toda essa natureza ao redor e a segurança de saber onde encontrar uma solução quando precisar de algo fora dali.

Penso que a soma dos saberes relacionados à vivência natural e os conhecimentos mais urbanizados, pode trazer o reequilíbrio e benefício para ambos os lados. E este foi o aprendizado que os colonizadores não tiveram e talvez nossa cultura consequente deles ainda não tenha entendido. De que o maior benefício que europeus podiam ter tido ao ter contato com os indígenas ou outras tribos, como  as africanas, teria sido a troca. Tentar ensinar e procurar aprender. Aprender como faziam para obter alimentos, curas, comunicação com animais e tantos conhecimentos que sequer acessaram. A imposição de cultura, religião, forma de entender o conhecimento só faz matar um estilo de vida que contém também suas sabedorias e perde-se de assimilá-las e encontrar soluções que sequer imaginariam.

De tudo isso até aqui, que é tão pouco perto do que temos para elaborar, gostaria de saber: com qual meio você se identifica mais? Prédios, avenidas, shoppings, ou montanhas, árvores, rios/ mar? Ou ainda, qual junção dessas duas coisas representa um ponto de equilíbrio na sua vivência? Gostaria de aumentar ou diminuir a proporção de um desses “2 mundos” em sua vida? Que parte da sua saúde atravessa esse assunto?

*PETAR: Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira – é maior reserva da mata atlântica do Brasil – se situa na região que abrange as cidades de Iporanga (que significa “rio bonito” em Tupi) e Apiaí (que significa “o rio dos índios” em Tupi-guarani).


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