Já parou para pensar que certos trabalhos são importantes para quem faz e não para quem é feito? Falo isso para além do clichê de que podemos nos sentir bem em ajudar os outros. Isso também. Mas para além disso.

Na tradição budista tibetana, os monges passam por uma prova com seu mestre. Que lhes pede para que façam imensas mandalas de areia colorida. Os monges levam horas em uma atividade detalhada e lenta e quando finalmente o painel fica pronto, o mestre lhes diz: pronto, agora podem desfazer todo o painel.

Os monges ficam perplexos: como assim mestre?! Depois de tanto trabalho para fazer a mandala!

E o mestre ensina então que não importa o resultado, o valor do trabalho está nele mesmo. Na atenção e concentração que precisaram exercitar para montá-lo, na paciência que precisaram desenvolver, na interação entre eles, para sincronização e organização de quem faz cada pedaço. Esses são os valores reais adquiridos após a construção do painel, e o resultado visível foi apenas uma consequência.

Depois, este fazer e desfazer de mandalas continua sendo um hábito entre eles, como um lembrete de que todas as coisas na vida e no mundo estão em constante mutação e que por isso, não devem se tornar apegados a elas.

Enquanto estamos trabalhando em um objetivo que entendemos como benéfico, evitamos ainda possíveis más inclinações, vícios ou inércia. O que não significa de forma alguma que precisamos estar trabalhando o tempo todo, mas que o período de trabalho pode ser entendido como um exercício para tudo isso.

No caso do exemplo acima o resultado é algo subjetivo, não palpável, que são valores, habilidades, qualidades. Tão importantes como coisas concretas.

Mas exemplificando também com algum resultado no campo material, pensemos na situação de um membro de uma tribo que se disponha a usar seu corpo para fins colaborativos a outros membros, respeitando seus limites.

Como subir em árvores para pegar os frutos para a comunidade ou andar quilômetros para coletar comida e materiais necessários para o grupo, ou ainda construir um abrigo… Ou seja, se dedicar a  atividades que, se fizesse apenas para si, não precisaria fazer tanto esforço.

Ao exercitar seu corpo diariamente e com uma carga que exige certo esforço, essa pessoa tenderá a se manter forte e funcional. Com isso, pode vir a ter benefícios em sua saúde, na habilidade de fugir de um predador e até de ser eleito com maior facilidade para fins reprodutivos.

Hoje em dia nem todos temos tantas oportunidades de usar o corpo para resoluções do cotidiano, mas uma vez entendido que o trabalho físico acaba sendo benéfico para quem faz, desenvolvemos o hábito de ir a academias e afins, para fazermos artificialmente os movimentos com pesos. O que pode ser muito pouco motivador, se não estiver vinculado a um significado emocional.

Talvez o grande barato seja fazer essas pontas se encontrarem. Nem sempre fazer um trabalho que se jogue fora o resultado depois, como na prova dos monges, e nem sempre fazer um trabalho apenas pelo resultado, sem curtir e crescer com o processo, como em movimentos mecânicos para se exercitar.

Se colocarmos nesta ótica de que todo trabalho pode ser benéfico para quem faz – levando em conta que seja feito em condições saudáveis – fica muito mais gostoso oferecer ao mundo a nossa força, nossa habilidade e competências. Mesmo que não recebamos de pronto uma recompensa ou reconhecimentos, pois conforme o budismo nos lembrou, mesmo com mandala desfeita, nosso trabalho interno nunca será perdido.


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